De Dra. Vandana Shiva – Medium, Escola Schumacher Brasil, 21 abril 2020 | Fonte
Tradução: Fernanda Rocha Vidal
As respostas à crise devem levar a uma mudança de paradigmas, introduzindo processos que regenerem a saúde das pessoas e do planeta.
A crise na saúde causada pelo Coronavírus está conectada à emergência relacionada à extinção e desaparecimento de espécies, e à emergência climática. Todas essas crises têm como raiz uma visão de mundo mecanicista, militarista e antropocêntrica, que enxerga os humanos como separados e superiores aos outros seres vivos que podemos dominar, manipular e controlar. Também têm raiz em um modelo econômico baseado na ilusão do crescimento e ganância sem limites que sistematicamente violam a capacidade de nosso planeta e a integridade de ecossistemas e espécies.
A saúde do planeta e a nossa saúde são inseparáveis. Como disse Dr. King [Martin Luther King Jr.], “Toda vida é interligada, estamos presos em uma inevitável rede de reciprocidade, amarrados em único fio do destino, o que afeta diretamente a um, afeta indiretamente a todos”.
Podemos estar interligados mundialmente através da expansão de uma doença como o coronavírus quando invadimos a casa de outras espécies, manipulamos plantas e animais para o lucro comercial e a ganância e expandimos as monoculturas.
Ou podemos estar interligados através de saúde e bem estar para todos, protegendo a diversidade de ecossistemas e a biodiversidade, integridade, auto-organização (autopoiesis) de todos os seres vivos, incluindo os humanos.
Novas doenças estão surgindo porque um modelo de agricultura e alimentação globalizado, industrializado e ineficiente está invadindo os habitats ecológicos de outras espécies e manipulando animais e plantas sem nenhum respeito a sua integridade e saúde. A ilusão de que a Terra e seus seres são matéria prima a serem exploradas visando o lucro está criando um mundo conectado pelo adoecimento.
A crise na saúde causada pelo coronavírus está conectada à emergência relacionada à extinção e desaparecimento de espécies, e à emergência climática. Todas essas crises têm como raiz uma visão de mundo mecanicista, militarista e antropocêntrica, que enxerga os humanos como separados e superiores aos outros seres vivos que podemos dominar, manipular e controlar. Também têm raiz em um modelo econômico baseado na ilusão do crescimento e ganância sem limites que sistematicamente violam a capacidade de nosso planeta e a integridade de ecossistemas e espécies.
A medida em que as florestas são destruídas, nossas fazendas se tornam monoculturas industriais que produzem commodities tóxicas e vazias de nutrientes e nossas dietas se degradam através do processamento industrial com químicos sintéticos e geneticamente modificados em laboratórios, nos conectamos através do adoecimento — ao invés de nos conectarmos através da biodiversidade dentro e fora de nós, em um fluxo de saúde dentro e pela biodiversidade.
A emergência médica demanda uma abordagem sistêmica, baseada na interconexão. Precisamos olhar para os sistemas que promovem doenças e que criam saúde de uma maneira holística.
Uma abordagem sistêmica para os cuidados médicos em tempos da crise do coronavírus iria tratar não só do vírus, mas também de como outras epidemias estão se espalhando na medida em que invadimos a casa de outros seres. Também lidaria com as comorbidades relacionadas às doenças crônicas que se espalham devido aos sistemas alimentares não-sustentáveis, não-naturais e não saudáveis.
Uma abordagem sistêmica para os cuidados médicos em tempos da crise do Covid-19 iria tratar não só do vírus, mas também de como outras epidemias estão se espalhando na medida em que invadimos a casa de outros seres.
Como escrevemos no Manifesto Alimentos para Saúde (Food for Health Manifesto) para a Comissão Internacional sobre o Futuro da Alimentação (International Commission on the Future of Food), precisamos descartar “políticas e práticas que levam à degradação física e moral do sistema alimentar e destroem nossa saúde, ameaçando a estabilidade ecológica planetária e ameaçando a sobrevivência biogenética da vida no planeta”.
Precisamos, agora, desglobalizar o sistema alimentar que causa a emergência climática, o desaparecimento de espécies e uma emergência sistêmica de saúde. Os sistemas de alimentação industrializados, globalizados espalham doenças. A monocultura espalha doenças. O desmatamento espalha doenças.
Como nos mostra a situação atual, podemos desglobalizar quando existe vontade política. Vamos fazer com que essa desglobalização seja permanente. Vamos fazer a transição para a localização — um sistema no qual a agricultura e sistemas alimentares biodiversos gerem saúde e reduzem as pegadas ecológicas, abrindo espaço para que prospere uma diversidade de espécies, culturas e economias locais vivas.
Precisamos, agora, desglobalizar o sistema alimentar que causa a emergência climática, o desaparecimento de espécies e uma emergência sistêmica de saúde.
Uma rica biodiversidade em nossas florestas, fazendas, alimentos e nosso microbioma intestinal — mais saudável e mais resiliente a pestes e doenças.
A invasão das florestas viola a integridade das espécies e espalha novas doenças. Nos últimos 50 anos, 300 novos patógenos surgiram na medida em que destruímos habitats e os manipulamos visando lucro. Exemplos de destaque incluem o Ebola, que foi relacionado ao rápido desmatamento; a Doença da floresta de Kyasanur (Kyasanur Forest Disease — KFD), um vírus altamente patogênico que se espalhou de macacos para humanos através de carrapatos contaminados na medida em que o desmatamento diminuiu o habitat dos macacos em Carnataca, na Índia; e a “doença da vaca louca”, ou a encefalopatia espongiforme bovina (EEB), uma doença que afeta o cérebro do gado e infecta humanos com a Doença de Creutzfeldt-Jakob (CJD), que é fatal. Quando animais são manipulados, e sua integridade e direito à saúde são violados, novas doenças podem — e de fato — aparecem.
A ilusão que plantas e animais são máquina para a manufatura de matéria prima que se tornam combustível para nossos corpos, que, por sua vez, também são máquinas, criou a agricultura industrial e o paradigma alimentar que são a raiz da explosão de doenças crônicas que marcam o nosso tempo.
Um sistema alimentar tóxico, industrializado e globalizado está levando à explosão de doenças crônicas não-transmissíveis. Nas últimas décadas, essas doenças têm se espalhado exponencialmente e matado milhões de pessoas. Os sistemas alimentares tóxicos e industrializados são um dos principais fatores para doenças como câncer, que é responsável por quase 10 milhões de mortes por ano; e diabetes, que mata cerca de 1.7 milhão de pessoas anualmente, além de causar complicações que podem levar à cegueira, falência renal, ataques cardíacos, derrames e amputação de membros para muitas outras pessoas.
Um sistema alimentar tóxico, industrializado e globalizado está levando à explosão de doenças crônicas não-transmissíveis.
Os riscos oferecidos por doenças infecciosas como o coronavírus são potencializados quando combinados a doenças crônicas. Os governos deveriam levar a Organização Mundial da Saúde (OMS) tão a sério quanto ao câncer, como fizeram com a pandemia do coronavírus.
A Agência Internacional para Pesquisa em Câncer (IARC) da OMS já identificou que o glifosato fabricado pela Bayer e Monsanto é um provável carcinogênico. Essa recomendação deve ser levada a sério. O ataque corporativo à IARC está contribuindo para uma emergência médica e precisa ser proibido.
Milhares de casos de câncer relacionados ao glifosato já estão registrados nas cortes americanas. Nos casos de Johnson Edwin Hardeman e Alva e Alberta Pilliod, as cortes já decidiram em favor das vítimas.
Os governos agora precisam banir os produtos químicos que nos fazem mal. E precisam garantir que as corporações sejam responsabilizadas pelo mal que já causaram.
A minha jornada com a agricultura começou com o genocídio em Bhopal, no qual milhares foram mortos devido a um vazamento na planta industrial da Union Carbide, que produzia pesticidas. Atualmente, a Union Carbide pertence à Dow, que se fundiu com a Dupont.
A conexão entre a agricultura industrializada e Big Pharma (as grandes da indústria farmacêutica)
As mesmas corporações que criam doenças tóxicas ao incentivar a agricultura industrializada e globalizada também são as grandes empresas farmacêuticas (Big Pharma). Elas criam doenças e também lucram a partir delas. Bayer é uma empresa farmacêutica e agroquímica vendendo pesticidas tóxicos. A Syngenta é uma empresa agroquímica e como Novartis, vende produtos farmacêuticos.
Essas grandes indústrias farmacêuticas estão usando a atual emergência médica para expandir seus mercados e lucros. As proteções que os governos oferecem a essas empresas precisam ser revistas. Ao contrário, governos em todos os níveis devem trabalhar com seus cidadãos e comunidades para criar alimentos sem veneno e uma agricultura que promova a saúde das pessoas com a mesma força com a qual agem agora em relação ao coronavírus.
Precisamos remover de nossos sistemas alimentares os pesticidas que criaram um desastre na saúde. Os governos precisam seguir as recomendações das Nações Unidas e da Organização Mundial de Saúde (OMS) em todos os outros assuntos relativos à saúde com o mesmo entusiasmo demonstrado em relação ao coronavírus.
Governos em todos os níveis devem trabalhar com seus cidadãos e comunidades para criar alimentos sem veneno e uma agricultura que promova a saúde das pessoas com a mesma força com a qual agem agora em relação ao coronavírus.
O custo dos tratamentos das novas doenças crônicas cresceu exponencialmente nas últimas duas décadas, alinhado à disseminação da alimentação e agricultura industrial através da globalização. Como destacamos em nosso Manifesto, em 2012, por exemplo, o uso de 133 pesticidas levou à um custo de €78 milhões em assistência médica. No mesmo ano, uma pesquisa no Brasil concluiu que o custo total dos envenenamentos por pesticidas era de US$ 149 milhões por ano. Outro estudo publicado em 2005 estimou que nos EUA os custos das doenças crônicas relacionadas à contaminação por pesticidas chegavam a US$ 1,1 bilhão, sendo que 80% diz respeito ao câncer.
Para olhar para dados mais recentes e chegarmos mais perto da realidade européia, podemos analisar pesquisas que estudam os danos causados e o custo relacionado à exposição aos disruptores endócrinos na Europa: um painel de experts avaliou, com uma “probabilidade forte”, que, a cada ano, 13 milhões de pontos de QI são perdidos devido à exposição pré natal aos organofosfatos (um tipo de pesticida), e que existem 59.300 casos adicionais de deficiências intelectuais. Já que existe uma estimativa que cada ponto de QI perdido pela exposição pré natal ao mercúrio custa cerca de €17.000, podemos assumir que custos semelhantes são causados pelos organofosfatos.
As consequências para a saúde da mal-adaptada modernidade, geradas pelos sistemas alimentares comerciais, estão sendo vivenciadas em proporções epidêmicas ao redor do mundo. Além das mortes prematuras e incapacitações prolongadas, as doenças relacionadas a dietas pobres estão forçando as pessoas à busca por tratamentos médicos caros, que são, muitas vezes, inacessíveis.
Os sistemas de saúde comerciais são beneficiários dessas epidemias modernas, oferecendo testes e tratamentos que são altamente tecnológicos e caros para problemas de saúde que poderiam ser facilmente prevenidos através da boa nutrição e de um ambiente saudável. A fusão da Bayer com a Monsanto implica que as mesmas corporações que vendem os químicos que causam doenças também vendem as drogas como curas para as doenças que causaram.
Os custos globais de assistência médica relacionados a doenças ligadas ao sistema alimentar estão se elevando enormemente, sendo que a obesidade deve custar US$ 1.2 trilhão até o ano de 2025, a diabetes US$ 1.5 trilhão até 2030 e o câncer US$ 2.5 trilhões. Já agora, o custo anual da exposição aos disruptores endócrinos é de US$ 209 bilhões na Europa e US$ 340 bilhões nos EUA.
E é o planeta e as pessoas que carregam o peso das doenças.
Regulamentação: uma questão de vida ou morte
Como a crise atual demonstra, a regulamentação pelo governo é uma questão de vida ou morte — e o princípio da precaução é mais vital agora do que nunca. Ele não deveria ser abandonado com a falsa afirmação de que “o tempo é o nosso maior inimigo” e que qualquer manipulação de organismos vivos deveria ser introduzida rapidamente no meio ambiente com poucos — ou nenhum — testes.
A fusão da Bayer com a Monsanto implica que as mesmas corporações que vendem os químicos que causam doenças também vendem as drogas como curas para as doenças que causaram.
Existe uma tentativa de menosprezar o princípio de precaução através de acordos de livre comércio como o que os EUA e a União Européia chamam de “mini-acordo” de comércio. De acordo com o negociador americano e Secretário de Agricultura Sonny Perdue, e de acordo com os interesses americanos, o princípio de precaução deve ser abandonado, e agora é o momento para cortá-lo através do acordo de comércio EUA- União Européia.
Os governos precisam garantir que as avaliações de biossegurança e segurança alimentar não são influenciadas pelas indústrias que se beneficiam da manipulação de organismos vivos e suprimem as evidências científicas de danos. As evidências de tal manipulação da pesquisa e ataques a cientistas pela indústria foram apresentadas no Tribunal da Monsanto na Assembléia Popular em Haia em 2016.
Os danos causados à saúde das pessoas através da manipulação da ciência pelas corporações já estão provados. Os governos precisam reforçar imediatamente as regulamentações de biossegurança e saúde. A tentativa global para desregulamentações de legislações sobre segurança alimentar e biológica precisa ser impedida. A modificação genética tem impactos imprevisíveis e novos produtos baseados nessa técnica precisam ser regulados como organismos geneticamente modificados (GMO, em inglês), porque o genoma foi modificado e precisamos avaliar e conhecer o impacto na saúde dessa manipulação em nível genético.
Novas tentativas de manipulação genética para levar organismos à extinção devem ser suspensas para prevenir crimes contra a natureza e impactos indesejáveis, como o surgimento de novas doenças desconhecidas.
Com o coronavírus, os governos têm mostrado que podem tomar ações para proteger a saúde da população. Agora é a hora para que tomem as medidas necessárias para parar todas atividades que comprometem nossa saúde ao interferirem nos processos metabólicos de sua regulação. O mesmo sistema que causa danos à biodiversidade do planeta causa danos à capacidade de auto-regulação da Terra — levando ao caos climático.
A crise do corona e a resposta a essa crise podem se tornar o solo fértil para suspendermos processos que degeneram nossa saúde e a saúde planetária, iniciando um processo que regenere ambas.
Sabemos que a agricultura e sistemas alimentares industrializados movidos a combustíveis fósseis e químicos tóxicos estão contribuindo para a extinção de espécies, para a mudança climática e a catástrofe de doenças crônicas.
Sabemos que uma agricultura orgânica, baseada na biodiversidade e regenerativa pode lidar com essas três crises.
Uma oportunidade para localizar e descolonizar nossos sistemas alimentares
Chegou a hora de nossos governos pararem de usar o dinheiro de nossos impostos para subsidiar e promover um sistema alimentar que está deixando o planeta e as pessoas doentes.
As corporações devem ser responsabilizadas pelo mal que causaram e impedidas de continuar causando mais mal livremente, interferindo com a ciência e pesquisa independentes, que são a única fonte de conhecimento real sobre danos à saúde.
A crise também oferece às pessoas uma oportunidade para ver como as corporações prejudicam nossa saúde. A responsabilização corporativa é um imperativo para nossa saúde, e nutrir sistemas alimentares livres de grandes corporações, democráticos, biodiversos e saudáveis, permitindo um florescimento da biodiversidade e de sistemas de conhecimento locais se tornou um imperativo para nossa sobrevivência.
A emergência médica nos mostra que o direito à saúde é um direito fundamental, que a saúde é um bem comum e público, e que o governo tem o dever de proteger a saúde pública. É por isso que a privatização e corporativização da saúde deve parar, e os sistemas de saúde públicos devem ser protegidos e fortalecidos onde existem, e criados onde não existem.
A responsabilização corporativa é um imperativo para nossa saúde, e nutrir sistemas alimentares livres de grandes corporações, democráticos, biodiversos e saudáveis, permitindo um florescimento da biodiversidade e de sistemas de conhecimento locais se tornou um imperativo para nossa sobrevivência.
O caminho para um planeta saudável e pessoas saudáveis é claro.
Uma economia baseada no crescimento infinito está levando a um apetite sem limites para a colonização de terras e florestas, destruindo as casas de outras espécies e dos povos nativos. A Amazônia agora está sendo queimada para a produção de organismos geneticamente modificados que servem para alimentação animal. A floresta tropical da Indonésia está sendo destruída para a produção de óleo de palma.
As doenças estão sendo criadas por uma demanda sem limites por recursos em uma economia globalizada baseada no crescimento infinito. Uma economia gananciosa está violando os direitos da Mãe Terra.
A saúde para todos os seres é baseada na proteção da Terra, seus processos ecológicos, e os espaços ecológicos e integridade de toda vida, inclusive as humanas.
Uma economia baseada no crescimento infinito está levando a um apetite sem limites para a colonização de terras e florestas, destruindo as casas de outras espécies e dos povos nativos.
Precisamos migrar de um paradigma mecanicista e militarista de agricultura baseado na guerra química para uma agroecologia regenerativa, uma agricultura para a vida, baseada na biodiversidade e em trabalhar em sintonia com a natureza viva, não em uma guerra contra a terra e sua diversidade de espécies. Central para uma agricultura viva é o cuidado e a gratitude, a doação de volta para a terra, a lei do retorno e e da doação, criando economias circulares que curam a Terra e nossos corpos.
Os sistemas indígenas de cuidados com saúde foram criminalizados pela colonização e a indústria farmacêutica.
Precisamos migrar de um paradigma reducionista, mecanicista, militarista baseado na separação e colonização da Terra, outras espécies e nossos corpos que contribuiu para a crise médica, para sistemas como a Ayurveda: a ciência da vida, que reconhece que somos parte de uma rede viva da Terra, que nossos corpos são organismos complexos, vivos e autogeridos, que temos um potencial para saúde ou doença dependendo do nosso ambiente e do alimento que cultivamos e comemos. A saúde depende de alimentos saudáveis. Um intestino saudável é um ecossistema e é a base para a saúde. Saúde é harmonia e equilíbrio.
Os sistemas nativos de saúde e conhecimento que são baseados na interconexão precisam ser reconhecidos e rejuvenescidos em tempos da emergência médica que enfrentamos.
Central para uma agricultura viva é o cuidado e a gratidão, a doação de volta para a terra, a lei do retorno e da doação, criando economias circulares que curam a Terra e nossos corpos.
A saúde é um continuum, do solo para as plantas para o microbioma do nosso intestino.
Enquanto a agricultura industrial globalizada que está destruindo as florestas, e a biodiversidade das nossas fazendas é justificada como necessária para alimentar o mundo, 80% dos alimentos que consumimos vem da agricultura familiar. As fazendas de monocultura produzem commodities, não alimentos.
A agricultura globalizada industrial é um sistema que cria fome e doenças. Espalhou doenças relacionadas às toxinas e está destruindo as pequenas propriedades agrícolas que nos alimentam, ao prender os produtores em um ciclo de dívidas e os levando ao suicídio.
Esse sistema causador de doenças e insalubre é subsidiado pelo nosso dinheiro dos impostos, primeiro ao oferecer subsídios para produção e distribuição, e depois ao fazer com que as pessoas paguem pelos altos custos do sistema de saúde.
Se somarmos os subsídios e as externalidades do sistema alimentar globalizado e industrial, percebemos que nem o planeta e nem as pessoas podem continuar a carregar o peso desse sistema que causa doenças.
A agricultura ecológica livre de químicos precisa ser parte do renascimento da saúde pública.
Em oposição às fazendas industriais, as pequenas fazendas cuidam da saúde das pessoas, especialmente se são livres de químicos, orgânicas e biodiversas. Deveríamos direcionar nosso financiamento público para apoiar as fazendas agroecológicas e para as economias locais como parte de um sistema de saúde próspero.
Através da biodiversidade e da matéria orgânica no solo, aumentamos a nutrição por acre, e nossas plantas ficam mais saudáveis e mais resistentes a doenças e pestes. Ao retornar matéria orgânica para o solo, restauram os ciclos quebrados de carbono e nitrogênio, que estão causando a emergência climática. Curar o planeta e curar os nossos corpos são processos interconectados.
A agricultura ecológica livre de químicos precisa ser parte do renascimento da saúde pública.
Precisamos intensificar a biodiversidade e renaturalização de nossas fazendas, não a intensificação dos químicos e capital. A biodiversidade cria culturas e economias do cuidado, incluindo o cuidado pela saúde da Terra e das pessoas. Quanto mais biodiversidade conservamos no nosso planeta, mais protegemos os espaços ecológicos para que diversas espécies se sustentem, preservando, assim, sua integridade para crescer em liberdade e resiliência. Todas as espécies têm direitos ao seu espaço ecológico e liberdade para evoluir, e todos os seres humanos, como parte da Terra, tem direito ao acesso a alimentos livres de pesticidas e biodiverso.
Precisamos proteger a biodiversidade de nossas florestas, fazendas e alimentos para aumentar a biodiversidade em nossos intestinos, que são a fonte verdadeira de saúde. Monoculturas não são florestas, e essas monoculturas comerciais de árvores ou soja transgênica são uma ameaça a diversas espécies, diversas culturas e a nossa própria saúde.
Os sistemas orgânicos biodiversos precisam se tornar parte central da solução em saúde pública para as emergências médicas que estamos vivenciando.
Curar o planeta e curar os nossos corpos são processos interconectados.
A biodiversidade da mente deve substituir as monoculturas da mente mecanicista, que vê a vida como um inimigo a exterminar.
A tradicional saudação indiana namastê se espalhou pelo mundo na época do coronavírus. O significado de namastê não é de separação, mas de uma profunda união que conecta a todos. Namastê significa “eu saúdo o divino em você”. Significa uma interconexão de que somos parte de um universo sagrado no qual tudo é permeado pelo divino para o benefício de todos, sem a exclusão de nenhum.
Essa é a consciência de unidade que precisamos cultivar nesses tempos, quando um pequeno vírus nos conectou ao redor do mundo através da doença e do pânico.
Não deixaremos que o isolamento social necessário nessa emergência médica se torne um padrão permanente de separação, destruindo as comunidades e coesão social. Não vamos permitir que o fechamento de mercados locais e de produtores seja um fechamento permanente para criar um futuro de agricultura sem agricultores, de acordo com a visão da Bayer-Monsanto, e que as comidas “falsas” destruam nossa saúde enquanto bilionários extraem lucros a partir de nossas vidas.
O futuro depende da nossa unidade como humanidade em nosso planeta compartilhado, conectados através da biodiversidade e saúde. Não deixemos que os cuidados de hoje se constituam em um clima permanente de medo e isolamento. Precisamos uns dos outros e da Terra na nossa diversidade e auto-organização tão ricas para criar resiliência em tempos críticos, e para regenerar a saúde e bem-estar no mundo pós corona.
A crise do corona cria uma nova oportunidade para adotarmos uma mudança de paradigma: da era mecanicista e industrial da separação, dominação, ganância e doença para a era de Gaia, de uma civilização planetária baseada em uma consciência planetária de que somos uma só família. Que nossa saúde é Uma Saúde enraizada na interconexão ecológica, diversidade, regeneração e harmonia.